E eu?

E eu?
 Onde é que eu fiquei?
 No meio de tanto grito, de finais felizes e outros menos afortunados, na correria que se tornou a minha vida, onde é que eu fiquei?
 Melhor que tudo, algum dia te importaste sequer onde é que acabou essa estrada que me enfiaste e saíste a meio?
 Nesse caminho escuro e eterno, onde me largaste a mão e deixaste tudo o que fosse passar por cima, do corpo que outrora me pertenceu?
 Isso é tão feio.
 Se tens sequer a noção, do que me custou ir até ao fim sem ninguém para me dizer onde ir?
 De como é feio ver uma mulher perdida no meio de um sítio qualquer?
 Das cagadas que fiz e dos meios termos que acrescentei à minha vida?
 Eu consigo viver bem com a cena da mulher que não teve o que quis.
 Olha para mim e vês que toda eu , sou construída disso.
 Mas e eu? 
Como alguém feito de carne, de sonhos, de inseguranças e de tanta merda, onde fiquei eu?
 Alguém me disse um dia que onde quer que eu fosse, para ir até ao fim.
 Deve ser por isso que saio sempre de todos os caminhos tão massacrada, como tenho saído até agora.
 Farta de viver amores impossíveis, farta de palavras que o vento leva, farta de juras de sangue onde quem corta os pulsos sou eu.
 Estou farta de ser sempre a única, de pulsos estendidos em direcção a quem já se foi, no céu ou em outro sítio qualquer, ajoelhada a pedir ajuda, numa estrada que eu nem devia ter entrado para começar.
 "Onde estás Inês?"- ao mesmo tempo que me tocava e me via em tudo o que eram reflexos.
 "Morreu enquanto vivia pela história de amor que nunca viveu"- riam-se as vozes.
 E tudo bem que não posso culpar uma tempestade, se fui eu que lancei a trovoada, o vento e a chuva.
 Mas onde fiquei eu?
 Como é que eu digo a mim mesma, que sou a culpada de tudo onde me enfiei?
 Raios parta se o aceito, mas se gostava que tivesse sido diferente.
 Fizeste-me personagem principal, secundária, até de figurante, numa história que sou eu que escrevo, onde te tentei acrescentar, e por muito que tenha tentado, nunca consegui.
 Nunca consegui.
 Fizeste-me escrever o livro da história que nunca aconteceu.
 E onde fico eu?
 Num sítio diferente.
 Num corpo que não é meu.
 Numa casa que nunca foi minha, lambendo feridas eternamente, e deixando pôr-se a jeito quem me as tentou curar.
 E eu?
 Eu tento-me lembrar do que te disse, nesse dia de chuva, lançado por mim mesma e pelo "Pai" que nos tentou ver.
 Que no dia em que me fui, disse-te de pulmões cheios, "relembra-te que no dia em que finalmente a luz brilhar, não me vou esquecer da sombra que me fizeste".
 E foi assim que entendi, que ser benção para tanta gente, não te impede de seres meio que uma maldição para outros.
 Nunca fomos filhos de Deus, mas se eu tentei que o nos uniu, não fosse mais que amor e boas intenções.
 Ainda aguardo pela luz, pelo raio, pela trovoada e pela estrada que me mostre o atalho à pessoa que criaste.
 Aceito o meu papel de maldição, como aceitaste ser a tinta que nunca quis mandar para o mundo.
Perdendo o "eu" de mim mesma, admitindo que por vezes, até os mais fortes, se tornam personagens secundárias das suas próprias histórias.

Comentários

  1. Adoro mesmo. Transmite o "isolamento" e o lado mais antissocial que existe dentro de mim. Obrigada por escreveres.

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  2. Escreves como se te estivesses a atirar de um precipício. Escreves durante a queda, sentes e escreves. Não pares nunca, a queda que seja eterna.

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